Vincent van Gogh - Head of a skeleton with a burning cigarette

Fumar maconha faz mal?

O potencial terapêutico dos canabinoides está bem estabelecido, mas será que fumar maconha tem os mesmos efeitos?

Publicado em 27 de agosto de 2025

A resposta é: depende. Sim, fumar aquele prensado de origem duvidosa faz mal. E sim, é possível minimizar os riscos. Mas também é possível fumar cannabis medicinal como modalidade terapêutica alternativa, desde que de maneira responsável, com entendimento da relação de riscos e benefícios, e da distinção entre uso terapêutico e recreativo.

Ainda não existe no Brasil uma regulamentação que permita o uso de cannabis medicinal através do fumo ou vaporização da planta, o que já é realidade em outros países. Apesar disso, algumas associações de pacientes possuem habeas corpus que permite fornecer as flores de maconha *in natura* com prescrição médica.

A principal vantagem de fumar ou vaporizar canabinoides é a absorção rápida, que permite obter o efeito esperado quase que imediatamente. Isso pode ser útil, por exemplo, para alívio de crises na dor crônica, episódios de náusea e falta de apetite, ou para induzir o sono.

Por outro lado, essa forma de administração dificulta a dosagem dos canabinoides. Um bom parâmetro para definir o que é suficiente e o que é excessivo é a euforia, ou a sensação de "estar chapado". A partir do momento que fumar maconha causa esses efeitos, o uso se aproxima do recreativo, e não medicinal.

Mulher alegre fumando maconha
Cena de Reefer Madness, filme de 1936

A automedicação

A automedicação é uma forma de uso terapêutico bem reconhecida, e pode ser aceitável em condições leves, quando feita com responsabilidade. Mas a automedicação não constitui uso medicinal, visto que isso requer diagnóstico médico, avaliação da indicação, riscos e formulação mais adequada.

Grande parte dos usuários que automedicam uma condição de saúde com maconha teria indicação médica e acesso seguro à cannabis medicinal. Nessa modalidade é possível saber a origem do produto, a concentração dos canabinoides presentes, ter mais precisão no ajuste de dose, previsibilidade de efeitos e controle da resposta ao tratamento.

É importante esclarecer que a planta fumada no uso recreativo é a mesma usada no preparo de medicamentos contendo fitocanabinoides, a Cannabis sativa. Mas existem muitas variedades da planta, e uma enorme distância entre o prensado consumido no Brasil (e mesmo nas flores/camarões de origem incerta), e a matéria-prima usada na preparação dos óleos medicinais e outros produtos. Nesse link você pode ler sobre variedades de flores de cannabis medicinal [[Variedades de cannabis medicinal (medical strains)]]

Além disso, apesar de descriminalizada, a maconha continua sendo ilegal no Brasil. Tenha em vista que os riscos associados à obtenção da planta por vias ilícitas podem superar os do hábito de fumar.

Barack Obama fumando maconha
Barack Obama, ex-presidente americano, fumando baseado quando jovem

A maconha não foi liberada?

O Brasil vive um período de descriminalização da maconha, mas seu uso ainda é ilegal. O que acontece é que comprar ou portar até 40g de maconha para consumo pessoal deixou de ser crime, e agora é um ato ilícito em que a punição são medidas administrativas, como advertência, participação em programas educativos, e assinatura de termo circunstanciado. A produção, venda ou facilitação de obtenção ainda são ilegais. E há riscos mesmo para o usuário comum, visto que seu perfil e elementos circunstanciais podem levá-lo a ser enquadrado como traficante. Por outro lado, o próprio contato com o mercado de drogas ilegais aproxima o usuário do tráfico e crime organizado. Esses riscos levantam questões sobre o proibicionismo, mas isso é assunto para outro artigo.

O famigerado prensado

O prensado é produzido em plantações clandestinas no Brasil e países vizinhos. As flores da planta são secas (processo de cura), muitas vezes ao ar livre e em contato com o solo, e em seguida compactadas com prensas para formar blocos, que facilitam o transporte discreto. Esse processo geralmente é manual e feito em instalações improvisadas, com diversos pontos passíveis de contaminação involuntária do produto. Como exemplo:

  • pode haver uso indiscriminado de agrotóxicos na plantação
  • o solo pode estar contaminado com metais pesados
  • podem ser incluídas partes indesejáveis na colheita, como folhas, ementes e galhos
  • na secagem pode haver contato com animais e seus dejetos, especialmente pássaros e insetos
  • na prensagem podem ser adicionadas partes indesejáveis, material úmido, ou em processo de apodrecimento
  • no armazenamento pode ocorrer infestação de ratos, insetos e fungos

Muitos desses fatores também são válidos para outros produtos agrícolas que consumimos no dia-a-dia, mas a ilegalidade leva quem produz maconha a buscar todo tipo de atalho, e não há controle de qualidade. Além disso, também pode haver contaminação intencional, quando o produtor "batiza" o prensado para lucrar mais. Apesar de os adulterantes mais comuns serem outras plantas, podem ser adicionados produtos químicos para alterar o efeito, aderir, mascarar a cor e cheiro, ou preservar o material. Essa situação é ainda mais perigosa, e os riscos à saúde são imprevisíveis.

Por esses motivos, está fora de cogitação o uso medicinal do prensado, o que não necessariamente exclui a possibilidade de fumar ou vaporizar flores de características conhecidas como modalidade terapêutica. Infelizmente as opções para acesso a essa alternativa ainda são muito limitadas.

Barata em prensado de maconha
Barata em prensado de maconha

O uso recreativo

Efeitos esperados

O uso recreativo de cannabis tem alguns efeitos muito típicos que dependem do perfil químico da planta. De maneira geral, esses são alguns fatos sobre o que esperar ao fumar maconha:

  • O efeito costuma trazer calma, relaxamento e bem-estar
  • Algumas pessoas ficam risonhas ou tagarelas
  • Algumas pessoas sentem fome, a famosa "larica"
  • As cores podem parecer mais intensas, e a música ainda mais agradável
  • O tempo pode parecer desacelerar
  • Pode causar sonolência, ou sensação de estar lento
  • O efeito pode ser bastante sedativo, causando couch lock (ou "paralisia no sofá")
  • O efeito pode ser bastante estimulante, causando inquietude e agitação
  • O uso pode afetar a memória e capacidade de concentração
  • Pode haver alteração psicomotora, prejudicando, por exemplo, a habilidade de dirigir
  • Algumas pessoas ficam confusas, ansiosas ou paranoicas
  • Algumas pessoas experimentam ataques de pânico ou alucinações
  • O uso frequente ou a longo prazo pode gerar desmotivação e desinteresse em outras áreas da vida, como educação ou trabalho, e pode afetar a capacidade de aprendizado e concentração

Esses são essencialmente efeitos mentais, é preciso levar em conta também o ato de fumar, que afeta diretamente o sistema respiratório. As consequências da inalação de fumaça pela queima da cannabis ainda não são claras, mas ela piora sintomas como tosse, produção de escarro e sibilância em pessoas com doenças pulmonares. Quem fuma maconha ou resinas pode observar que a fumaça deixa um resíduo escuro em cachimbos, bongs e piteiras. Sem nenhuma proteção, esse resíduo pode se depositar ao longo do sistema respiratório, o que também se torna um risco maior com o uso frequente e no longo prazo. Por via das dúvidas, é recomendável o uso de filtros, ou alternativas à maconha fumada.

Risco de dependência

Cerca de 10% dos usuários de cannabis recreativa desenvolvem Transtorno por uso de cannabis. Essa é uma condição de dependência, semelhante a outras substâncias psicoativas. Alguns sintomas esperados são:

  • Irritabilidade
  • Fissura
  • Alterações de sono
  • Alterações de apetite
  • Inquietude
  • Flutuações de humor
  • Cansaço e desânimo excessivos

Esses sintomas ocorrem após um período sem usar cannabis, e geralmente melhoram ao fumar. O transtorno por uso de cannabis torna difícil a avaliação do uso medicinal, pois nem sempre fica claro se os sintomas são causados pela doença que se busca tratar, ou pela abstinência de canabinoides.

Meu olhar

Como vimos, muitos dos efeitos esperados ao fumar maconha são inofensivos, mas não podemos ignorar os riscos. Ataques de pânico e alucinações são relativamente raros, e muitas vezes associados ao uso irresponsável ou predisposição individual. Mesmo quando não ocorrem esses efeitos indesejáveis, no longo prazo, o hábito pode se tornar uma limitação para cumprir responsabilidades e alcançar seus objetivos. No fim das contas, como tantas outras questões em saúde, aqui também impera o conhecimento de riscos e benefícios, a autorresponsabilização, e a busca de equilíbrio.

Você pode explorar outros recursos do site, como a segurança no uso da cannabis medicinal, Estratégias para controle da ansiedade, Redução de danos no uso de cannabis, e Sintomas de abstinência de maconha.

10% TUS = https://www.nature.com/articles/s41572-021-00247-4