
Período na Amazônia
Algumas imagens e reflexões sobre minha experiência em São Gabriel da Cachoeira
Publicado em 11 de setembro de 2025
A busca de conhecimento sobre medicinas tradicionais me levou a conhecer um pedacinho da maravilhosa Floresta Amazônica. Em 2025 tive oportunidade de trabalhar com saúde indígena no DSEI Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira/AM, onde fui responsável pela assistência médica de mais de 2 mil pessoas, em cerca de 28 aldeias ao longo do médio rio Tiquié.

Esse território, um dos mais isolados da amazônia brasileira, foi local de amplo e valioso aprendizado, ensinamentos que levarei para a vida. Pude conhecer um pouco das tradições de muitos povos indígenas da região, como Hupda, Yuhupde, Dessano, Tukano, Tuyuka, e Siriano, e vi de perto as relações entre essas etnias, suas diferenças culturais, e como isso afeta fatores determinantes de saúde.

Em duas comunidades fui convidado a conhecer algumas medicinas tradicionais, o Cahapi (Banisteriopsis caapi, também chamada Jagube ou Mariri, uma das plantas da ayahuasca), Ipadu (ou "Padu", feito como folhas de coca, Erythroxylum spp.), e rapé de Embaúba (Cecropia spp.). Pude experimentar apenas as duas últimas, pois infelizmente seguimos viagem antes da cerimônia com Cahapi.

O Ipadu tem efeito estimulante, por isso geralmente é utilizado antes de atividades físicas como caminhadas, pesca, caça, e trabalho na roça. Posso dizer que o Ipadu foi sutil, mas elevou os ânimos na roda de conversa. Já o rapé de Embaúba é usado em cerimônias de purificação, benzimentos, e com fins medicinais, especialmente em condições respiratórias.

Se o Ipadu teve efeito leve, o rapé "bateu forte". Senti um leve zumbido que aumentava progressivamente, seguido de náusea e tontura. Tive que sentar e fechar os olhos, mas logo vieram as palpitações, me sentia cada vez mais fraco. Comecei a suar profusamente, os colegas da equipe disseram que empalideci, e suas vozes me pareciam muito distantes. Aferiram minha pressão arterial, que estava um pouco abaixo do usual. Permaneci sentado bebendo um pouco de água e me concentrando na minha respiração (evitei pensar que estava no meio da floresta experimentando uma substância praticamente desconhecida).
Em menos de uma hora os sintomas começaram a amenizar, me senti bem para ficar em pé e caminhar, tomei um copo de açaí e em poucos minutos estava novo em folha. Pelos sintomas acredito ter sido a fase pré-sincope de um episódio vasovagal. Não há estudos suficientes sobre a Embaúba para dar embasamento a qualquer teoria, mas considero ter sido efeito do rapé, pois não havia calor, esforço, jejum ou desidratação além do que eu estava acostumado.

Voltei são e salvo, e o rapé de Embaúba me lembrou dos riscos de ser guiado pela curiosidade. A partir de então só o que experimentei foram os muitos tipos de peixes, frutas e temperos do norte.

São Gabriel da Cachoeira é o município mais indígena do Brasil, ali as línguas Tukano, Nheengatu, e Baniwa são reconhecidas como idiomas oficiais, e além dos povos originários convivem migrantes de todo Brasil e países vizinhos, militares do exército, marinha e força aeronáutica, turistas, missionários religiosos, representantes de entidades internacionais, e tantos outros em uma diversidade única de pessoas e histórias.

São aproximadamente 50 mil pessoas distribuídas entre um pequeno território urbano, e centenas de comunidades espalhadas por uma área de florestas maior que os estados do Rio de Janeiro, Alagoas, e Sergipe somados.
Há muita beleza e mistério ao longo dos rios que dão origem ao Amazonas. Existe ali uma riqueza de biodiversidade, histórias e saberes dos quais tive um mero vislumbre, uma minúscula fração, suficiente para afirmar sua preciosidade, e fragilidade.

Essa vivência reforçou meu interesse sobre plantas medicinais, métodos tradicionais de cura, e as várias formas de compreensão e experiência do adoecer. Ao mesmo tempo, deixou evidente o papel crucial do acesso à medicina convencional-científica, o que traz outras questões importantes, pois a aproximação que ocorre entre os povos indígenas isolados e de contato recente com a sociedade ocidentalizada envolvente carrega riscos ao modo de vida tradicional.

É inegável a necessidade de facilitação do acesso a itens básicos como alimento, ferramentas, medicamentos, educação e assistência médica aos indígenas, mas sem o devido cuidado pode ocorrer minimização e possível perda de seus conhecimentos tradicionais. É muito perceptível, por exemplo, o esforço histórico de catequização e aculturação. Além disso, a oposição de sociedades imensamente desiguais propicia muitas formas de exploração, e com isso fica clara a importância de políticas públicas de saúde bem articuladas.

Escrevo isso poucos meses após ter voltado ao Rio Grande do Sul, já com saudades. Há muito mais a refletir e escrever, mas tudo em seu tempo.